Movimento LGBT goianiense completa 20 anos de
ativismo, mas preconceito permanece.
Larissa Artiaga
Quantas
cores podem colorir uma cidade ? Em resposta à esta pergunta, o
movimento LGBT surgiu formalmente em Goiânia no ano de 1995, no
contexto de enfrentamento à AIDS.Um estudo divulgado em 2013 pela
Universidade Federal de Goiás (UFG), apontou que de lá pra cá o
ativismo em prol da diversidade ganhou notoriedade com as Paradas
do Orgulho
e conquistou direitos, mas a discriminação ainda é recorrente.
Uma pesquisa publicada no ano
passado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), denunciou que entre os anos de
2013 e 2014, cerca de 312 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais, foram assassinados no Brasil.Os dados revelam a
necessidade de uma das principais revindicações da militância
LGBT, a criminalização da homofobia e da transfobia.
Pra começo de conversa
O
ano é 1983, período marcado pela explosão do número de casos de
AIDS mundialmente e pela desinformação de grande parte da imprensa
brasileira sobre a doença na mesma proporção.Em 12 de junho
daquele ano, o jornal Notícias Populares estampou a seguinte
manchete, “Peste-Gay
já apavora São Paulo”,
um retrato da discriminação sofrida por homossexuais nos anos 1980.
Jornal Notícias Populares, 12
de junho de 1983
O
Antropólogo Camilo Braz,afirmou que a partir da criação do
primeiro grupo de ativismo homossexual que se tem notícia no Brasil,
o Somos, no final dos anos 1970, o ativismo goianiense começou a ser
articulado durante os anos 1980 e ganhou força na década de 1990. “
A partir dos dados que pudemos levantar em uma pesquisa que
realizamos no Ser-Tão, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e
Sexualidade sobre trajetórias do movimento LGBT em Goiás, pudemos
perceber que em Goiânia os primeiros grupos formalizados surgiram
exatamente em meados da década de 1990.Além disso, parte das ações
desses agrupamentos foram financiadas pelo Ministério da Saúde,
como aconteceu em vários outros locais brasileiros.”
Braz também ressaltou a
representação negativa das homossexualidades na mídia da época ,
e a atuação das ONGs LGBTs na luta contra a AIDS. “Nesse momento
havia uma incipiente visibilidade dos estudos sobre homossexualidade
nas universidades, em geral as representações de gays, lésbicas,
bissexuais, travestis e transexuais na mídia eram negativas.O
enfrentamento da epidemia aliado à atuação extremamente importante
das ONGs e também de outros movimentos, como é o caso do grupo
feminista transas do corpo no que tange às campanhas de prevenção,
aproximou o Estado da luta homossexual.”
A década cor-de-rosa
Em primeiro de Setembro de 1995, o
ativismo LGBT deu um grito que estava preso na garganta.Nesta data a
organização não-governamental Associação Ipê Rosa (AIR) nasceu
e se tornou o primeiro grupo oficialmente engajado na luta por
direitos homoafetivos em Goiânia.
O acervo contendo mais de cinco
mil documentos sobre a instituição foi digitalizado em 2012 pelo
Centro de Informação Documentação e Arquivo (CIDARQ) da UFG, e as
informações estão disponíveis para consulta pública por meio do
site, www.cidarq.ufg.br
Além da AIR, Braz pontuou o
merecimento de destaque por parte de vários outros agrupamentos
fundados entre as décadas de 1990 e 2000. “Surgiram posteriormente
outros grupos, como o Oxumaré, a AGLT (Associação Goiana de Gays,
Lésbicas e Travestis), o GLG (Grupo Lésbico de Goiás), a Astral
(Associação de Travestis, Transexuais e Liberados de Goiás),
dentre outros.Já nos anos 2000, a UFG entrou como parceira do
movimento por meio dos grupos Colcha de Retalhos e Ser-tão.”
A atual presidente da Comissão de
Direito Homoafetivo da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás
(OAB-GO), Chynthia Barcellos, considera o movimento LGBT como
extremamente atuante na conquista dos direitos civis homoafetivos. “O
grande impulsionador das conquistas tanto jurídicas quanto sociais
foi o movimento LGBT, que cresceu e se fortaleceu ao longo dos anos
obtendo visibilidade.Em Goiás por meio das ONGs, da OAB, e das
Paradas do Orgulho enquanto eventos politicamente relevantes,
homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais têm caminhado nas
últimas décadas em defesa da criminalização da homotransfobia.”
Paradas do Orgulho
Em 1996, a Ipê Rosa funcionava
na região central de Goiânia, representada pela árvore simbolo de
Goiás e pela cor ícone do movimento, o rosa.Entretanto, de acordo
com um levantamento publicado pela UFG em 2013, decorrido um ano da
fundação da associação, estava-se ainda longe de um contexto
sócio-cultural de abertura à diversidade na cidade.
Por
essa razão, no dia 28 de junho de 1996 em memória à Stonewall,
quando na mesma data em 1969 vários LGBTs protestaram em combate à
violência praticada contra a comunidade, cerca de nove rapazes
abraçaram o monumento às três raças localizado na Praça Cívica
no ato conhecido como a primeira Parada do Orgulho de Goiânia.
O
evento era de uma simplicidade latente, sem a presença de trios
elétricos com nomes de boates, e sem a exuberância de travestis,
drag-queens,
e gogo-boys.Todavia
se configurou em um marco para o ativismo na capital.Desde então, a
Parada é realizada anualmente em Goiânia,sendo que no ano passado o
evento levou mais de 100 mil pessoas às ruas, de acordo com a
Polícia Militar.
O produtor musical Korth Axl Costa
estava lá e descreveu a emoção de se apresentar para o
público.“Tocar na parada gay para milhares de pessoas foi muito
gratificante e realizador.Passar uma imagem legal é muito
interessante, pois as barreiras que nós homossexuais enfrentamos não
são só financeiras, existem também problemas familiares por causa
da condição sexual.Então, ser espelho e gerar representatividade é
importante.” opina
O depoimento do produtor relata a
celebração do Orgulho LGBT enquanto uma festa que ao mesmo tempo
contribui para a geração de valor social.O conflito entre o
caráter festivo e o caráter político das paradas é um fator
polêmico e dividor de opiniões dentro da militância.
O Assessor Municipal de Assuntos
da Diversidade Sexual, Adriano Ferreto, defende que a significação
das Paradas é uma questão individual.“ Tem pessoas que comparecem
à Parada pela festa, e outras por questões políticas.É preciso
entender que todas as formas de ir ao evento se constituem em
manifestações políticas a partir do momento em que os LGBTs ocupam
espaço nas ruas.De alguma forma é possível dialogar com todas as
pessoas, e lentamente conscientizar a população LGBT que não está
engajada politicamente sobre a importância da militância.”
Manifestantes abraçam
monumento às três raças. Foto: Arquivo Ipê Rosa
Direitos e Desafios
Korth Axl Costa (à esquerda),
e Adriano Ferreto durante evento com participação da Assessoria
Municipal de Assuntos da Diversidade Sexual.Foto: Larissa Artiaga
Apesar da notabilidade alcançada
com as celebrações do Orgulho, o preconceito e a violência ainda
são percebidos cotidianamente.O produtor musical contou que sofre
menos discriminação por ser artista, mas a situação nem sempre é
favorável para a equipe de apoio.“ Trabalho há três anos como dj
e produtor musical, e o preconceito acontece.As vezes percebo um
olhar ou outro de reprovação, mas por ser artista acredito que as
pessoas tem mais receio de me ofender.”
De acordo com informações
publicadas no site do senado, www.senado.gov.br, o Projeto de Lei
da Câmara 122 (PLC 122/2006) de autorida da deputada Iara Bernardi
(PT-SP), tinha por objetivo criminazar os preconceitos motivados pela
orientação sexual e pela identidade de gênero.Entretanto, o PLC
122 foi arquivado pelo senado em 13 de janeiro de 2015.
Contudo, a deputada Maria do
Rosário (PT-RS) apresentou em maio do ano passado, o Projeto de Lei
7582/2014, cuja finalidade também é tornar crime os atos de
intolerância contra a população LGBT.Segundo informações
disponibilizadas na página oficial da Câmara dos deputados,
www.camara.gov.br, o projeto se encontra pronto para pauta na
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
A
aprovação de qualquer projeto de lei depende do Congresso Nacional
e a ausência de uma quantidade significativa de parlamentares
ligados ao ativismo LGBT, somada à oposição praticada pela bancada
evangélica conservadora, enfraquece quaisquer tentativas de tornar a
homofobia um crime.
Um levantamento divulgado no ano
passado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays Bissexuais,
Travestis e Transexuais ( ABGLT) verificou que dos 513 deputados
federais eleitos em 2014, apenas 126 são simpáticos à causa LGBT.
Contudo no que diz respeito à
Goiânia, o Assessor Municipal afirmou que a Câmara Municipal tem
sido mais aberta com relação às problemáticas da diversidade.“
Por incrível que pareça os parlamentares evangélicos em Goiânia
não têm criado problemas, pelo contrário as vezes são até
parceiros.”
No âmbito da Justiça, a
presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB considerou a
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo há cerca de
quatro anos a legalidade das uniões homoafetivas, como um
acontecimento histórico. “ Através de várias ONGs e da OAB
tivemos a iniciativa de criar a comissão em 2011, quando o
judiciário reconheceu a legitimidade das uniões homoafetivas.Na
questão do casamento civil não existe diferenciação perante a
lei entre casais homossexuais e heterosexuais, qualquer casal
homoafetivo pode se dirigir aos cartórios e casar livremente.A
resolução 175 de 2013, proibiu os cartórios de recusar os
casamentos entre pessoas do mesmo sexo.”
Barcellos definiu a união estável
como uma relação duradoura entre duas pessoas estabelecida com o
objetivo de constituição familiar, na qual a oficialização é
feita mediante escritura pública em cartório de notas. Ela também
explicou as principais diferenças entre o casamento civil e a união
estável.“ O casamento é um instituto formal feito no cartório de
registro civil.Em vida os direitos civis nos dois casos são
praticamente os mesmos, os casais que vivem em união estável também
estão dentro do regime de comunhão parcial de bens.Existem
diferenças quanto à herança, pois a pessoa casada é considera
hendeiro necessário assim como os filhos e pais da pessoa
falecida..”
Além do casamento outra conquista
da população LGBT é o direito à adoção.De acordo com o Juizado
da Infância e Juventude de Goiânia, o primeiro caso de adoção
por homossexuais goianos aconteceu em 2009, quando duas mulheres
conseguiram a guarda de uma menina de 2 anos e 10 meses.Segundo
Barcellos,os casais que desejam adotar precisam formalizar a relação,
seja por meio do casamento ou da união estável, e devem se dirigir
aos juizados da infância e da juventude para poder se habilitar no
cadastro nacional de adoção.
Transexuais
Segundo o Assessor Municipal, a
prefeitura de Goiânia tem oferecido desde 2013, cursos voltados para
a formação de servidores no atendimento à pessoas transexuais.Além
disso, a legislação municipal determina o respeito ao uso do nome
social, que é o nome pelo qual as pessoas transexuais se
identificam. “ O decreto municipal 265 assinado pelo prefeito Paulo
Garcia em janeiro de 2015, garante o uso do nome social em qualquer
repartição pública da capital.” assinala
O
uso do nome social também é assegurado pela Coordenação de
Inclusão e Permanência (CIP) da Universidade Federal de Goiás.O
Coordenador da CIP, Jean Baptista, declarou que pelo menos duas
pessoas já se formaram na instituição utilizando o nome social.
“No
caso do nome social, ainda há muito o que se trilhar. A UFG foi a
décima quinta universidade brasileira, e a primeira federal no
Centro-Oeste, a iniciar esse processo, em maio do ano passado.Os
novos professores que ingressam na universidade estão recebendo nos
seus respectivos cursos de
http://www.radio.ufg.br/pages/22001-radio-ao-vivoformação,
informações sobre a resolução do nome social”.
Quanto às políticas públicas na
área da saúde, o Assessor Municipal adiantou que a prefeitura de
Goiânia deve inaugurar em breve um ambulatório especializado no
tratamento de pessoas transexuais. “ O tratamento e as cirurgias de
pessoas trans por se tratarem de serviços de alta complexidade não
são realizados pelo município, e sim pelo hospital das clínicas da
UFG.O problema é que existem atualmente muitas pessoas na fila de
espera por essas cirurgias, por isso vamos inaugurar em breve o
ambulatório, por meio do qual ofereceremos a hormonização até que
a pessoa consiga realizar as cirurgias do processo transexualizador.”
Segundo
a Assessoria de Imprensa da Faculdade de Medicina da UFG, o Projeto
Transexualismo da Faculdade de Medicina e Hospital das Clínicas
(HC), destinado a oferecer acompanhamento psicológico a pessoas
portadoras de Distúrbio de Identidade de Gênero (DIG), começou a
funcionar efetivamente em 1999.Até o momento cerca de vinte e duas
cirurgias de redesignação sexual já foram realizadas, sendo 15
casos do masculino para o feminino e outros sete casos do feminino
para o masculino.
A
coordenadora do projeto, professora Mariluzia Terra Silveira, do
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina,
comentou a situação atual do projeto. “ O projeto atualmente está
funcionando com algumas dificuldades porque não temos médicos
suficientes para atender a demanda de pacientes.Dois profissionais
saíram do projeto e ainda não temos previsão sobre a entrada de
novos médicos para suprir essa necessidade, pois as cirurgias em
transexuais são procedimentos complexos.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário