sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Goiânia é por todas as cores !

Movimento LGBT goianiense completa 20 anos de ativismo, mas preconceito permanece.

Larissa Artiaga

Quantas cores podem colorir uma cidade ? Em resposta à esta pergunta, o movimento LGBT surgiu formalmente em Goiânia no ano de 1995, no contexto de enfrentamento à AIDS.Um estudo divulgado em 2013 pela Universidade Federal de Goiás (UFG), apontou que de lá pra cá o ativismo em prol da diversidade ganhou notoriedade com as Paradas do Orgulho e conquistou direitos, mas a discriminação ainda é recorrente.
Uma pesquisa publicada no ano passado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), denunciou que entre os anos de 2013 e 2014, cerca de 312 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, foram assassinados no Brasil.Os dados revelam a necessidade de uma das principais revindicações da militância LGBT, a criminalização da homofobia e da transfobia.

Pra começo de conversa

O ano é 1983, período marcado pela explosão do número de casos de AIDS mundialmente e pela desinformação de grande parte da imprensa brasileira sobre a doença na mesma proporção.Em 12 de junho daquele ano, o jornal Notícias Populares estampou a seguinte manchete, “Peste-Gay já apavora São Paulo”, um retrato da discriminação sofrida por homossexuais nos anos 1980.



                              

Jornal Notícias Populares, 12 de junho de 1983

O Antropólogo Camilo Braz,afirmou que a partir da criação do primeiro grupo de ativismo homossexual que se tem notícia no Brasil, o Somos, no final dos anos 1970, o ativismo goianiense começou a ser articulado durante os anos 1980 e ganhou força na década de 1990. “ A partir dos dados que pudemos levantar em uma pesquisa que realizamos no Ser-Tão, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade sobre trajetórias do movimento LGBT em Goiás, pudemos perceber que em Goiânia os primeiros grupos formalizados surgiram exatamente em meados da década de 1990.Além disso, parte das ações desses agrupamentos foram financiadas pelo Ministério da Saúde, como aconteceu em vários outros locais brasileiros.”
Braz também ressaltou a representação negativa das homossexualidades na mídia da época , e a atuação das ONGs LGBTs na luta contra a AIDS. “Nesse momento havia uma incipiente visibilidade dos estudos sobre homossexualidade nas universidades, em geral as representações de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais na mídia eram negativas.O enfrentamento da epidemia aliado à atuação extremamente importante das ONGs e também de outros movimentos, como é o caso do grupo feminista transas do corpo no que tange às campanhas de prevenção, aproximou o Estado da luta homossexual.”

A década cor-de-rosa

Em primeiro de Setembro de 1995, o ativismo LGBT deu um grito que estava preso na garganta.Nesta data a organização não-governamental Associação Ipê Rosa (AIR) nasceu e se tornou o primeiro grupo oficialmente engajado na luta por direitos homoafetivos em Goiânia.
O acervo contendo mais de cinco mil documentos sobre a instituição foi digitalizado em 2012 pelo Centro de Informação Documentação e Arquivo (CIDARQ) da UFG, e as informações estão disponíveis para consulta pública por meio do site, www.cidarq.ufg.br
Além da AIR, Braz pontuou o merecimento de destaque por parte de vários outros agrupamentos fundados entre as décadas de 1990 e 2000. “Surgiram posteriormente outros grupos, como o Oxumaré, a AGLT (Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis), o GLG (Grupo Lésbico de Goiás), a Astral (Associação de Travestis, Transexuais e Liberados de Goiás), dentre outros.Já nos anos 2000, a UFG entrou como parceira do movimento por meio dos grupos Colcha de Retalhos e Ser-tão.”
A atual presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO), Chynthia Barcellos, considera o movimento LGBT como extremamente atuante na conquista dos direitos civis homoafetivos. “O grande impulsionador das conquistas tanto jurídicas quanto sociais foi o movimento LGBT, que cresceu e se fortaleceu ao longo dos anos obtendo visibilidade.Em Goiás por meio das ONGs, da OAB, e das Paradas do Orgulho enquanto eventos politicamente relevantes, homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais têm caminhado nas últimas décadas em defesa da criminalização da homotransfobia.”

Paradas do Orgulho

Em 1996, a Ipê Rosa funcionava na região central de Goiânia, representada pela árvore simbolo de Goiás e pela cor ícone do movimento, o rosa.Entretanto, de acordo com um levantamento publicado pela UFG em 2013, decorrido um ano da fundação da associação, estava-se ainda longe de um contexto sócio-cultural de abertura à diversidade na cidade.
Por essa razão, no dia 28 de junho de 1996 em memória à Stonewall, quando na mesma data em 1969 vários LGBTs protestaram em combate à violência praticada contra a comunidade, cerca de nove rapazes abraçaram o monumento às três raças localizado na Praça Cívica no ato conhecido como a primeira Parada do Orgulho de Goiânia.
O evento era de uma simplicidade latente, sem a presença de trios elétricos com nomes de boates, e sem a exuberância de travestis, drag-queens, e gogo-boys.Todavia se configurou em um marco para o ativismo na capital.Desde então, a Parada é realizada anualmente em Goiânia,sendo que no ano passado o evento levou mais de 100 mil pessoas às ruas, de acordo com a Polícia Militar.
O produtor musical Korth Axl Costa estava lá e descreveu a emoção de se apresentar para o público.“Tocar na parada gay para milhares de pessoas foi muito gratificante e realizador.Passar uma imagem legal é muito interessante, pois as barreiras que nós homossexuais enfrentamos não são só financeiras, existem também problemas familiares por causa da condição sexual.Então, ser espelho e gerar representatividade é importante.” opina
O depoimento do produtor relata a celebração do Orgulho LGBT enquanto uma festa que ao mesmo tempo contribui para a geração de valor social.O conflito entre o caráter festivo e o caráter político das paradas é um fator polêmico e dividor de opiniões dentro da militância.
O Assessor Municipal de Assuntos da Diversidade Sexual, Adriano Ferreto, defende que a significação das Paradas é uma questão individual.“ Tem pessoas que comparecem à Parada pela festa, e outras por questões políticas.É preciso entender que todas as formas de ir ao evento se constituem em manifestações políticas a partir do momento em que os LGBTs ocupam espaço nas ruas.De alguma forma é possível dialogar com todas as pessoas, e lentamente conscientizar a população LGBT que não está engajada politicamente sobre a importância da militância.”




                    


Manifestantes abraçam monumento às três raças. Foto: Arquivo Ipê Rosa


Direitos e Desafios

                        

Korth Axl Costa (à esquerda), e Adriano Ferreto durante evento com participação da Assessoria Municipal de Assuntos da Diversidade Sexual.Foto: Larissa Artiaga

Apesar da notabilidade alcançada com as celebrações do Orgulho, o preconceito e a violência ainda são percebidos cotidianamente.O produtor musical contou que sofre menos discriminação por ser artista, mas a situação nem sempre é favorável para a equipe de apoio.“ Trabalho há três anos como dj e produtor musical, e o preconceito acontece.As vezes percebo um olhar ou outro de reprovação, mas por ser artista acredito que as pessoas tem mais receio de me ofender.”
De acordo com informações publicadas no site do senado, www.senado.gov.br, o Projeto de Lei da Câmara 122 (PLC 122/2006) de autorida da deputada Iara Bernardi (PT-SP), tinha por objetivo criminazar os preconceitos motivados pela orientação sexual e pela identidade de gênero.Entretanto, o PLC 122 foi arquivado pelo senado em 13 de janeiro de 2015.
Contudo, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) apresentou em maio do ano passado, o Projeto de Lei 7582/2014, cuja finalidade também é tornar crime os atos de intolerância contra a população LGBT.Segundo informações disponibilizadas na página oficial da Câmara dos deputados, www.camara.gov.br, o projeto se encontra pronto para pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
A aprovação de qualquer projeto de lei depende do Congresso Nacional e a ausência de uma quantidade significativa de parlamentares ligados ao ativismo LGBT, somada à oposição praticada pela bancada evangélica conservadora, enfraquece quaisquer tentativas de tornar a homofobia um crime.
Um levantamento divulgado no ano passado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays Bissexuais, Travestis e Transexuais ( ABGLT) verificou que dos 513 deputados federais eleitos em 2014, apenas 126 são simpáticos à causa LGBT.
Contudo no que diz respeito à Goiânia, o Assessor Municipal afirmou que a Câmara Municipal tem sido mais aberta com relação às problemáticas da diversidade.“ Por incrível que pareça os parlamentares evangélicos em Goiânia não têm criado problemas, pelo contrário as vezes são até parceiros.”
No âmbito da Justiça, a presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB considerou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), reconhecendo há cerca de quatro anos a legalidade das uniões homoafetivas, como um acontecimento histórico. “ Através de várias ONGs e da OAB tivemos a iniciativa de criar a comissão em 2011, quando o judiciário reconheceu a legitimidade das uniões homoafetivas.Na questão do casamento civil não existe diferenciação perante a lei entre casais homossexuais e heterosexuais, qualquer casal homoafetivo pode se dirigir aos cartórios e casar livremente.A resolução 175 de 2013, proibiu os cartórios de recusar os casamentos entre pessoas do mesmo sexo.”
Barcellos definiu a união estável como uma relação duradoura entre duas pessoas estabelecida com o objetivo de constituição familiar, na qual a oficialização é feita mediante escritura pública em cartório de notas. Ela também explicou as principais diferenças entre o casamento civil e a união estável.“ O casamento é um instituto formal feito no cartório de registro civil.Em vida os direitos civis nos dois casos são praticamente os mesmos, os casais que vivem em união estável também estão dentro do regime de comunhão parcial de bens.Existem diferenças quanto à herança, pois a pessoa casada é considera hendeiro necessário assim como os filhos e pais da pessoa falecida..”
Além do casamento outra conquista da população LGBT é o direito à adoção.De acordo com o Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, o primeiro caso de adoção por homossexuais goianos aconteceu em 2009, quando duas mulheres conseguiram a guarda de uma menina de 2 anos e 10 meses.Segundo Barcellos,os casais que desejam adotar precisam formalizar a relação, seja por meio do casamento ou da união estável, e devem se dirigir aos juizados da infância e da juventude para poder se habilitar no cadastro nacional de adoção.

Transexuais

Segundo o Assessor Municipal, a prefeitura de Goiânia tem oferecido desde 2013, cursos voltados para a formação de servidores no atendimento à pessoas transexuais.Além disso, a legislação municipal determina o respeito ao uso do nome social, que é o nome pelo qual as pessoas transexuais se identificam. “ O decreto municipal 265 assinado pelo prefeito Paulo Garcia em janeiro de 2015, garante o uso do nome social em qualquer repartição pública da capital.” assinala
O uso do nome social também é assegurado pela Coordenação de Inclusão e Permanência (CIP) da Universidade Federal de Goiás.O Coordenador da CIP, Jean Baptista, declarou que pelo menos duas pessoas já se formaram na instituição utilizando o nome social. “No caso do nome social, ainda há muito o que se trilhar. A UFG foi a décima quinta universidade brasileira, e a primeira federal no Centro-Oeste, a iniciar esse processo, em maio do ano passado.Os novos professores que ingressam na universidade estão recebendo nos seus respectivos cursos de http://www.radio.ufg.br/pages/22001-radio-ao-vivoformação, informações sobre a resolução do nome social”.
Quanto às políticas públicas na área da saúde, o Assessor Municipal adiantou que a prefeitura de Goiânia deve inaugurar em breve um ambulatório especializado no tratamento de pessoas transexuais. “ O tratamento e as cirurgias de pessoas trans por se tratarem de serviços de alta complexidade não são realizados pelo município, e sim pelo hospital das clínicas da UFG.O problema é que existem atualmente muitas pessoas na fila de espera por essas cirurgias, por isso vamos inaugurar em breve o ambulatório, por meio do qual ofereceremos a hormonização até que a pessoa consiga realizar as cirurgias do processo transexualizador.”
Segundo a Assessoria de Imprensa da Faculdade de Medicina da UFG, o Projeto Transexualismo da Faculdade de Medicina e Hospital das Clínicas (HC), destinado a oferecer acompanhamento psicológico a pessoas portadoras de Distúrbio de Identidade de Gênero (DIG), começou a funcionar efetivamente em 1999.Até o momento cerca de vinte e duas cirurgias de redesignação sexual já foram realizadas, sendo 15 casos do masculino para o feminino e outros sete casos do feminino para o masculino.
A coordenadora do projeto, professora Mariluzia Terra Silveira, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina, comentou a situação atual do projeto. “ O projeto atualmente está funcionando com algumas dificuldades porque não temos médicos suficientes para atender a demanda de pacientes.Dois profissionais saíram do projeto e ainda não temos previsão sobre a entrada de novos médicos para suprir essa necessidade, pois as cirurgias em transexuais são procedimentos complexos.”



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